Ignorância e preconceito

A 7ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) recentemente rejeitou o recurso de um trabalhador e manteve a demissão por justa causa, por entender que, se ele utiliza o e-mail corporativo para assuntos particulares, seu acesso pelo empregador não representa violação de correspondência pessoal nem de privacidade ou intimidade, como alegou o empregado, pois se trata de equipamento e tecnologia fornecidos pela empresa para utilização no trabalho.

Pela linha de raciocínio do TST, seria plenamente justificado vistoriar o uso de aparelhos de telefone e números de ramais pessoais, pois constituem, igualmente, "recursos corporativos para o exercício das atividades do trabalho".

O inciso XII da Constituição Federal diz que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal". Trata-se de direito fundamental do cidadão e a quem pertence os recursos tecnológicos utilizados para a efetivar a comunicação é irrelevante, por isso sequer é mencionado.

Entretanto, o TST afirma que vasculhar a correspondência pessoal do trabalhador é justificado porque o e-mail corporativo é uma ferramenta de trabalho. E o telefone, não é? A mesa de trabalho e suas gavetas, não são? Chega-se à conclusão de que o TST concordaria com o grampo telefônico na empresa e a revista de gavetas e armários de funcionários durante a noite.

A "grande rede" só chegou onde chegou por causa de sua premissa fundamental de "não-confiabilidade". Isto é: o protocolo padrão das comunicações, em princípio, não garante a entrega de nenhuma mensagem! A Internet funciona na base da cooperação. Uma mensagem é repassada de um computador para outro até que chegue ao seu destino - ou não, dependendo dos problemas de comunicação encontrados entre um provedor e outro. Ora, se o serviço de mensageria é feito cooperativamente entre os integrantes da rede e ninguém garante a entrega das mensagens, que tipo de "recurso corporativo" pode uma empresa qualquer alegar que tem - fora o computador do funcionário? O nome do domínio ("minhaempresa.com")? Também não há como garantir que um determinado e-mail tenha sido mandado por quem aparece no campo "remetente". Todo mundo já recebeu algum tipo de correspondência indesejável de alguém que não tinha conhecimento de que seu endereço de e-mail estava sendo usado para propagandear dispositivos de aumento de pênis. Qualquer "spammer" sabe como fazer isso. Seguindo o raciocínio dos doutos juristas, qualquer um que tenha tido seu e-mail "corporativo" usado para mandar propostas indecorosas, então, poderia processar sua empresa, no mínimo, por danos morais. Pois se é recurso corporativo, a empresa teria que garantir a entrega de todas as mensagens e a proteção contra o uso indevido por terceiros. Como no caso dos cartões de crédito, o associado que teve seu cartão clonado não pode ser responsabilizado pelas transações ilícitas.

Muita gente acredita que os "e-mails" são como cartas envelopadas e encaminhadas por serviços de correios até os respectivos destinatários. Na verdade, a analogia mais aproximada do correio eletrônico é a do cartão postal - escrito a lápis. Qualquer pessoa pode ler o texto redigido no cartão durante seu encaminhamento (o carteiro, funcionários dos correios, vizinhos bisbilhoteiros, etc). Além disso, nada impediria que qualquer uma delas alterasse o conteúdo, suprimindo ou adicionando palavras ou até mesmo escrevendo um texto totalmente diferente do original. O protocolo cooperativo e relativamente simples de tratamento de mensagens da Internet é assim mesmo. Como se diz no jargão, as mensagens "trafegam em claro". Isso não quer dizer que todos os provedores ficam bisbilhotando tudo o que passa por seus computadores. Mas a possibilidade técnica existe e em alguns países, como a China, é norma. Portanto, a menos que se use um programa de criptografia forte, que embaralhe o texto, não há como (tecnologicamente) garantir o sigilo das mensagens com o protocolo padrão de comunicações. Então o TST não teria feito nada demais, ao aprovar o acesso à caixa postal daquele funcionário?

Pelo contrário. Só porque alguém pode facilmente interceptar a comunicação pessoal entre dois interlocutores não quer dizer que tenha o direito de fazê-lo. Além disso, segundo a Constituição, a violação do sigilo só poderia ser feita em último caso, no âmbito de investigação criminal ou processo penal!

Pela lei em vigor no Brasil, pornografia não é crime. Foto de gente pelada não é crime. Exceto quando se trata de pedofilia, a posse de textos, fotos, filmes, músicas e histórias de todo tipo de sacanagem não são crimes. Mandar e receber isso tudo, pra que gosta, também não é crime. Pode até ser de mau gosto, mas crime não é. Se o tal sujeito devia ser mandado embora porque era relapso, negligente, incompetente, inconveniente, detestável, etc, que fosse. Mas vasculhar as comunicações pessoais, desconsiderando direitos fundamentais de cidadania, para obter provas de "comportamento impróprio"... para mim, é polícia moral.

O que vem agora? Xariá? Chicotadas em praça pública?

Batutinhas #080628

Adagiário #080627

Sabedoria popular:

- Cajueiro doce é que leva pedrada.

- Duro com duro não levanta muro.

- Antes bom que de boa raça.