É difícil ser Deus


  

É difícil assistir "É difícil ser Deus" (Трудно быть Богом). O tema é estranho e provocador, foi filmado em preto e branco, é falado em russo e tem quase três horas de duração.

Esse é um filme tão esquisito que nem tem como dar spoilers.

É a história de Don Rumata, um dos cientistas enviados ao planeta Arkanar, que é como uma versão da Terra que ficou parado na Idade Média e a Renascença nunca aconteceu. A missão de Rumata e de seus companheiros é ajudar a civilização nativa encontrar o caminho para o progresso, com interferência mínima. Eles não podem ensinar novos conceitos ou idéias. No máximo, podem tentar proteger intelectuais insipientes que eventualmente contribuiriam para a Renascença local - os quais são constantemente perseguidos por Don Reba e os anti-intelectualistas.

Quando o filme começa Rumata está no planeta faz tempo. O cenário é de chuva, nevoeiro e lama. A sujeira, como se poderia esperar da Idade das Trevas, é constante. Mais que isso: as imagens são de uma crueza nojenta, despudorada e trágica. Nada de belo por aqui. Prepare-se para conviver intensamente com fezes, catarros, cuspes, sangue, tripas, animais soltos e insetos pelo corpo. Cada cena foi projetada minuciosamente para lhe colocar naquele mundo cruel, naquelas condições horríveis, vivendo o mesmo tormento de Rumata.

Contudo, não acho que seja um filme focado na crueldade. As cenas grotescas não são gratuitas. O que transpareceu para mim foi a relação de amor estóico e incondicional de Rumata com os habitantes, apesar de todas as adversidades.
 
Talvez um dos filmes de ficção cientíifica mais verdadeiros que assisti.

 

Os pensamentos são livres



Die Gedanken sind frei é o título de uma canção do folclore alemão do século XVI sobre a liberdade de pensamento. O texto começou a aparecer em panfletos em 1780 e tinha originalmente quatro estrofes. Depois surgiu uma quinta, e algumas variantes. Eu traduzi rapidamente a letra original assim:

Os pensamentos são livres, quem pode adivinhá-los?
São como sombras que voam pela noite.
Ninguém consegue descobrí-los,
nenhum caçador abatê-los com pólvora e chumbo.
Os pensamentos são livres!

Penso o que quero, o que me dá prazer,
sorrateiramente, como deve ser.
O que desejo ninguém pode me negar.
E fica assim:
Os pensamentos são livres!

Mesmo que me joguem na prisão mais sombria,
será trabalho inútil
porque meus pensamentos rasgam
todas muralhas e portões
Os pensamentos são livres!

Então renunciarei minhas tristezas
Não vou me afligir com caprichos.
No coração, pode-se sempre rir e brincar
E pensar sempre:
Os pensamentos são livres!

Ela ficou famosa como canção de protesto contra a repressão política e a censura da imprensa, por causa do "Decreto de Carlsbad", de 1819, durante o Império Austríaco, que extiguiu associações estudantis e criou inspetores nas universidades. Foi proibida durante a alemanha nazista, pois era importante para o movimento de resistência Rosa Branca. Conta-se que uma noite de 1942, Sophie Scholl, uma das líderes do movimento, tocou esta música em sua flauta, do lado de fora dos muros da prisão de Ulm, onde seu pai estava preso por ter chamado Hitler de "flagelo de Deus". Todos os líderes foram decapitados em 1943.
 
Peter Seeger, músico e ativista de direitos humanos gravou-a em seu disco de 1966, "Dangerous Songs!?" bem como outros artistas de vários continentes. Minha versão favorita é a da banda "Brazilian Girls":


Crimes do Futuro



Num futuro não muito distante a humanidade tenta se adaptar a um mundo cada vez mais sintético fazendo o corpo passar por transformações e mutações que alteram sua própria estrutura biológica.

Embora muitos celebrem o potencial ilimitado desse transumanismo, outros tentam policiá-lo. Independente disso, a "Síndrome da Evolução Acelerada" se espalha rapidamente.

Saul Tenser (Viggo Mortensen) é um artista famoso que abraçou essa condição e faz crescer órgãos novos e inesperados em seu corpo. Juntamente com sua parceira Caprice (Léa Seydoux), ele faz da remoção desses órgãos um espetáculo em tempo real, para o deleite de seus fiéis seguidores.

Timlin (Kristen Stewart) é uma investigadora do "Cadastro Nacional de Órgãos". Ela segue o rastro dos dois até que um grupo misterioso aparece cuja missão é usar a notoriedade de Saul para jogar luz na próxima fase da evolução humana.  

Foi isso que eu entendi do novo filme do David Cronenberg, "Crimes of the Future".

Gostei dos visuais e dos trailers até aqui.

Censūra

Nunca pensei que viveria para assistir a promoção do emburrecimento das pessoas e da massificação de idéias prontas.

Uma coisa importante que aprendi cedo foi a tentar pensar criticamente. Não "engolir" nada de graça. Valorizar contraditórios. Identificar idéias rasas e defender meus próprios argumentos. Mas nunca, nunca, impedir a livre expressão de quem quer que seja. Qualquer ser pensante sempre será capaz de diferenciar as proposições vazias daquelas bem fundamentadas. Isso não quer dizer que as primeiras não sejam verdade nem que as últimas o sejam. Mas se ambas não existem, como sabè-lo?

Uma segunda coisa que aprendi com a idade é que os fatos não se importam com meus sentimentos e ficar ofendido é opção de cada um.

Então:

Manipuladores e manipulados! Eu sei quem vocês são!

Você decide

 


Escrevi num grupo de zapzap de Sétima Arte, a respeito de comentário de Mauricio Thomaz sobre o filme "O dilema das redes", postado no Catraca Livre.

O artigo é interessante mas da forma em que foi apresentado parece um tanto niilista e panfletário. Vejamos: Evidencia a impotência das pessoas diante do aparato tecnológico usado no mundo capitalista. Sugere regulamentação a fim de salvar os oprimidos pela engenharia social. Mostra a consequência das fake news (elas "foram decisivas para as eleições de Trump e Bolsonaro"). Ou seja, você é um ser impensante, manipulado e indefeso a mercê de um modelo econômico do mal. Dói menos não saber disso.

Há alternativa melhor.

Como este grupo é da Sétima Arte, continuarei meu comentário nesse contexto. O filme de referência, "The Social Dilemma" (2020) mostra fatos que nos possibilitam entender como a era da informação que adentramos pelo menos desde "1984" (1984) realmente funciona - pelo menos uma parte dela, certamente. O filme é um "Apocalypse Now" (1979).

Vi num documentário (não recordo o nome) que no começo da revolução industrial, muitas pessoas acreditavam que quem ousasse andar naquele novo "veículo movido a vapor" ("Carros", 2006) morreria sem ar ao atingir a impensável velocidade de sessenta quilômetros por hora. Muitos até pediam a proibição daquela "Máquina Mortífera" (1987).

Desde então muitas pessoas morreram por causa daquela invenção, seja por algum "Acidente Estranho" (1967), por defeito mecânico ou até uma "Corrida Mortal" (2008). Mas ninguém morreu por "Asfixia" (2019). Nós aprendemos com as novidades e nos adaptamos às mudanças extremas que se seguiram.

Penso que na era atual isso se repetirá, desta vez com informação e desinformação, com mentiras e verdades. Os humanos aprenderão a viver na era da informação e conviverão com as peculiaridades dela da mesma forma como encararam a Era dos Descobrimentos e a Era Atômica. Não precisamos de regulamentação (o novo sinônimo de "censura"). Precisamos de mais informação e usar nossos neurônios para formar "Critical Thinking" (2020).

Não somos impotentes indefesos. Tal como na "Matrix" (1999), podemos escolher tomar a pílula vermelha, e aprender a viver na nova realidade dominando a informação, ou tomar a pílula azul e viver em bem-aventurada ignorância.

O poder de decisão é de cada um.


Jenny, o pirata




Lotte Lenya cantando "Seeräuber Jenny", de Brecht. A versão mais conhecida atualmente é a de Nina Simone (que gosto muito), por conta do sucesso do filme Watchmen. Esta, porém, tem sabor especial. A letra, traduzida para o inglês na legenda, é mais próxima do original, em alemão.

Irina Ionesco



Irina Ionesco é uma fotógrafa francesa nascida em 1935, filha de imigrantes romenos. Ela viajou e pintou por muitos anos antes de abraçar a fotografia (considerada erótica). Em 1974 exibiu alguns de seus trabalhos na Galeria Nikkon, em Paris, e despertou muita atenção. Logo estava publicada em numerosas revistas e livros. Sua obra foi exibida em diversas galerias pelo mundo.

Grande parte da obra de Irina mostra mulheres com roupas luxuosas, jóias, luvas e outros ornamentos - igualmente adornadas de peças simbólicas tais como gargantilhas e outros adereços fetichistas e em poses provocantes, oferecendo-se parcialmente despidas como objetos sexuais.

Talvez seja mais conhecida pelas imagens que fez da filha, Eva, desde
criança, em situações iguais àquelas de seus modelos adultos. Tanto a
mãe quanto a filha viraram cult, por motivos obviamente distintos.

No site ucraniano Art Pages há mais fotos dela.

Assim tá bom, doutor?


A EIZO Medical Mapping fabrica monitores de alta precisão para exame e diagnóstico de radiografias. Recentemente, ela e a agência de publicidade alemã BUTTER produziram um calendário de "pin-ups" para 2010 digno de qualquer oficina mecânica. Ou, quase. As fotos das modelos não deixam nada "de fora", transformando os antigos raios-x em verdadeiros raios-xxx.

A idéia surgiu do fato que é fácil encontrar posters e calendários de mulheres sensuais em muitos locais de trabalho, mas nunca em consultórios médicos. Que presente!










 

Gêmeo de si mesmo

Chimera d'arezzo, fi, 04


Na mitologia grega, a Quimera (Χίμαιρα) era um monstro que tinha cabeça e corpo de leão, além de duas outras cabeças, uma de dragão e outra de cabra. Outras descrições trazem apenas duas cabeças ou até mesmo uma única cabeça de leão, desta vez com corpo de cabra e cauda de serpente, bem como a capacidade de lançar fogo pelas narinas. Homero descreve brevemente essa criatura na Ilíada e é a mais antiga referência dela que se tem conhecimento. Em zoologia, um animal que tem duas ou mais populações de células geneticamente distintas que teve origem em diferentes zigotos é chamado de quimera.

O quimerismo em humanos acontece quando dois óvulos fecundados se fundem antes do quarto dia de gestação, misturando informações genéticas sem que o indivíduo sofra grandes mutações. Se a fusão entre os óvulos ocorrer após o quarto dia, eles produzirão gêmeos xifópagos (siameses).

Dentro dos quatro dias iniciais de gestação, se os óvulos forem de sexos diferentes, o indivíduo nascerá hermafrodita, ou intersexual. Se os óvulos forem do mesmo sexo, o indivíduo não apresentará nenhum tipo de deformidade e poderá viver sua vida inteira sem se dar conta de sua característica incomum. Talvez por isso haja tão poucos casos de quimeras registrados.

Os casos de quimerismos genético se tornaram mais evidentes depois do aparecimento dos testes de paternidade por DNA. Em um caso famoso reportado pela rede ABC americana, Lydia Fairchild, no processo de separação de seu marido, fez o teste de paternidade em seus filhos para provar quem era o pai deles. O resultado inicial foi que ela é que não poderia ser a mãe, embora os filhos fossem mesmo do suposto pai. Sem entender o resultado, os médicos estenderam o exame para os pais e irmãos dela e, pelos resultados do segundo exame, os pais de Lydia eram realmente os avós, mas o DNA correspondente à parte dela era igual a de seu irmão. Dada a impossibilidade de dois homens terem um filho, percebeu-se que havia algo incomum com a mãe. Após vários testes de DNA ficou comprovado que ela era uma quimera genética.

Uma pessoa normalmente carrega 50% da informação genética da mãe e 50% da informação genética do pai. Indivíduos com quimerismo carregam 100% da informação genética de ambos em partes diferentes de seu próprio corpo. No caso de Lydia, ela tinha 100% do DNA de seu pai nos cabelos e nada do de sua mãe. Já numa amostra de pele, foi encontrado 100% do DNA da mãe e nenhum traço do DNA do pai. Os filhos dela são normais e carregam 50% do DNA do pai biológico, ou seja, o quimerismo não é hereditário: é fruto do acaso que pode acontecer com qualquer pessoa. Você pode ser uma quimera, seus filhos poderão ser e talvez você nunca fique sabendo disso!

Cosa fatta, capo ha

Ilustração de um livro italiano de 1935, por C. V. Testi

Conta-se que no tempo dos Guelfi e Ghibellini, um florentino chamado Boundelmonte rompeu o casamento com uma moça da casa dos Amidei. Os parentes da noiva então decidiram vingar-se da ofensa. O encarregado de levar a cabo aquela decisão, Mosca Lamberti, teria dito a frase para selar o destino funesto do infame noivo. Na verdade, Boundelmonte morreria alguns dias depois, na Páscoa de 1215, enquanto cruzava a Ponte Vecchio de Florença.

Hoje o ditado quer dizer que deve-se tomar decisões rápidas e definitivas. Algo como "não deixe para amanhã o que pode ser feito hoje". A versão italiana, porém, é muito mais eloqüente, não?

Como montar na vassoura

Postal de 1907

Segundo Lena Skarning, legalmente bruxa de profissão e dona de um negócio de poções, divinações e magia na Noruega, aquela história do Harry Potter montar na vassoura com o cabo pra frente é totalmente descabido. Bruxa de verdade monta na vassoura ao contrário. Ela deve saber, mesmo.

Não sei por quê, mas adorei a versão dela.

A boneca

 

Hans Bellmer (1902-1975) foi um artista alemão que começou seu trabalho em Berlin e, por causa do nazismo, depois em Paris. Tinha um pai tirânico e odiado e uma mãe afetuosa, totalmente dominada pelo marido. Quando criança, ele e seu irmão Fritz refugiavam-se da atmosfera opressora familiar em um jardim secreto decorado com brinquedos e lembrancinhas. Para lá levavam as menininhas com as quais "brincavam de médico". Uma verdadeira garçonnière!

Quando os nazistas ganharam o poder em 1933, seu pai era um dos apoiadores mais ferrenhos. Bellmer anunciou que iria abandonar todo o trabalho que, mesmo indiretamente, pudesse ser útil para o Estado. Começou sua vida de artista construindo uma boneca em tamanho real inspirada nas memórias nostálgicas de seu jardim secreto de infância e pela ópera "Os contos de Hoffman" de Jacques Offenbach. A idéia era satisfazer sua necessidade de escapar da realidade e despertar desejos associados a encontros secretos sexuais da sua adolescência. Por seu erotismo provocante, seria um golpe contra a tirania e autoridade. Pelo menos, foi o que disse.

Bellmer publicou dez fotografias deste trabalho em "Die Puppe" (Karlsruhe, 1934), com uma breve introdução, sob a forma de um complexo poema em prosa, no qual ele descreve como as inocentes brincadeiras de criança evoluíram para fantasias sexuais adultas nada inocentes.

Intenso.

A Luzia continua no céu com diamantes.

Erowid é uma uma ONG que se propõe dar acesso a informações confiáveis e imparciais a respeito de drogas e plantas psicoativas e assuntos correlatos. Seus membros acreditam num mundo no qual as pessoas tratam os psicoativos com respeito e conhecimento; onde as pessoas trabalham juntas para coletar e compartilhar conhecimentos, de modo a fortalecer a compreensão delas mesmas e prover introspecção nas escolhas complexas com as quais indivíduas e sociedades se deparam atualmente.

Eles acreditam que a verdade, exatidão e integridade na publicação de informações sobre psicoativos conduzirá a escolhas, comportamentos e políticas mais saudáveis e equilibradas em relação aos medicamentos psicoativos, ervas e drogas recreativas.

Pode ser mais psicodélico que isso?

Vida post mortem


A invenção do daguerreótipo em 1839 possibilitou a popularização de retratos fotográficos, antes reservados a famílias ricas, que podiam pagar por um retrato pintado. Esse meio rápido e barato de retratar pessoas também deu à classe média uma maneira de imortalizar os entes queridos que morriam.

Essas fotografias eram uma forma de preservar a memória das pessoas e não eram consideras como símbolos funestos. Hoje em dia, é comum a impressão de "santinhos" com a imagem do falecido ainda em vida e algum texto em sua homenagem. Na era vitoriana, no entanto, a fotografia era sempre post mortem. Era particularmente muito comum no caso de crianças. A taxa de mortalidade naquela época era altíssima e a foto da criança morta era geralmente a única imagem que a família jamais teria dela. A posterior invenção do filme negativo, capaz de gerar inúmeras cópias da foto original, possibilitou que as imagens pudessem também ser encaminhadas para todos os parentes.

As primeiras fotos post mortem eram geralmente um close do rosto ou do corpo inteiro e raramente incluíam o caixão. O "modelo" era sempre mostrado como se estivesse em um sono profundo ou em pose que parecesse naturalmente vivo. Não era incomum fotografar crianças com a mãe ou outros membros da família. Os adultos eram posicionados em cadeiras ou apoiados em estruturas especialmente construídas para as poses.

O efeito de vida era algumas vezes aumentado por mecanismos que mantinham os olhos abertos ou até mesmo pela pintura das pupilas no papel fotográfico!

Macabro? Para eles, não.

Religionskritik

Para quem acha que "Deus seja louvado" escrito nas cédulas de Real é apelação, vale a pena dar uma olhada no "Religionskritik". Um site alemão com compilações de críticas à religião. Contém seções de caricaturas e sátiras, trechos de textos famosos de filosofia, teologia, ciência sociais e política e de literatura.

A ilustração acima é Santa Teresa como vocação filosófica ou religiosa, por Félicien Rops (1833 - 1898)